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Um olhar, muitas histórias

* Débora Fantini (Jornal da Pampulha - 25/08/2012)

Imagens e muitas histórias para contar

Quando o Grupo Galpão subiu na Veraneio para encenar “Romeu e Julieta” pela primeira vez, Grace Passô, 32, ainda era criança. Por isso, poder ver as fotos da estreia da peça trouxe uma sensação de alívio para a hoje dramaturga, diretora e atriz do grupo teatral Espanca. “Enxergar essas imagens é aliviante, concretiza a memória que eu tinha inventado a partir do que ouvi sobre esse espetáculo tão marcante para a cidade”.

Clicadas por Guto Muniz – belo-horizontino de 46 anos que é um dos mais respeitados nomes da fotografia de cena no país e que acaba de completar 25 anos de carreira – essas e outras fotos que contam boa parte da história das artes cênicas mineiras nesse período são agora reveladas por meio de uma exposição e de um site (leia quadro na página 5).

As fotografias do acervo falam por si. No projeto, porém, uma imagem vale tanto quanto mil palavras. As imagens são acompanhadas de textos, fichas técnicas, vídeos e áudios. Além disso, os visitantes do site são convidados a contar sua história com os espetáculos deixando comentários.

O próprio Muniz não mediu palavras para fazer uma retrospectiva pessoal, na página do projeto no Facebook (www.facebook.com/focoIncena), em relatos que misturam informações com afeto. “A ideia é não apenas apresentar uma história, mas construir novas, com a participação de todos”.

Para quem está na plateia, compartilhar sua experiência é como revelar um segredo. “A memória que um espetáculo deixa em um espectador é secreta. Sempre tenho essa sensação quando vejo uma peça e saio com dificuldade de descrever para outra pessoa. Quando vejo uma imagem do Guto, cria-se um espaço que me ajuda a lembrar desse segredo e a concretizá-lo em palavras”, conta Passô.

O Galpão e a semente de uma obra-prima

Se para Grace Passô as fotografias de “Romeu e Julieta” possibilitam um encontro com um passado que ela não viveu, para o ator e diretor do Galpão Eduardo Moreira, 51, os ensaios em Morro Vermelho, distrito de Caeté, captados pela lente de Guto Muniz avivam lembranças de quando a peça ainda não era a obra-prima do grupo. “Lembro muito das crianças do lugar cantando as músicas da peça.”

As trajetórias do fotógrafo e da trupe cruzaram-se em 1992 e não se separaram mais. O primeiro trabalho juntos foi a peça “Álbum de Família”, adaptação da obra de Nelson Rodrigues com direção de Eid Ribeiro. São as fotos preferidas de Moreira. “O Guto conseguiu integrar as fotos à pesquisa estética do espetáculo, fotografando em sépia”, descreve ele, que diz recorrer às imagens para escrever os diários de montagens do grupo.

Apesar de serem registros históricos, as fotos feitas por Muniz parecem não estar prontas. “Acho que é porque detesto foto montada. Gosto da coisa acontecendo. São instantâneos nesse sentido”.

E o teatro toma conta da cidade

Fotógrafo de palco é pouco para designar Guto Muniz, que tem uma queda especial por registrar espetáculos em espaços alternativos, que passam pela rua e adentram igrejas – ou até mesmo uma Serraria Souza Pinto pré-reforma, da qual os belo-horizontinos mal se lembram.

Ainda com o chão de terra, o espaço no centro de Belo Horizonte recebeu, em 1994, o espetáculo “Auto da Paixão”, da Cia. Circo Branco, de São Paulo, cujas cenas também transcorreram no vizinho parque municipal. A convite da trupe paulista, Muniz fotografou a montagem, naquela que seria sua estreia extraoficial na cobertura do Festival Internacional de Teatro de Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT-BH), então em sua primeira edição.

A partir do segundo FIT-BH, em 1996, Muniz se tornou “patrimônio” do evento, como brinca. Neste posto, o fotógrafo passou por uma das experiências mais inusitadas de sua carreira.

Para clicar “Bivouac”, espetáculo da companhia francesa Générik Vapeur que atravessou o centro da capital a toda velocidade em um cortejo em meio à multidão, Muniz teve a ideia de subir no trio elétrico, um alegórico cachorro metálico incandescente. “Perguntei pra companhia se podia ficar em cima do trio, com 90% de certeza de que iriam falar não. Pros meus 10% de esperança, eles falaram sim. Só que com a condição de que eu ficasse como eles, todo pintado de azul”.

Apesar do incômodo que a maquiagem ressecada provocou, conseguiu não só acompanhar o ritmo da horda de personagens azuis como também a reação do público. Enquanto os atores subiram em marquises, algumas pessoas da plateia subiram em árvores, numa ocupação da cidade inimaginável para os dias de hoje.

Outra cobertura memorável para Muniz foi a passagem da Trilogia Bíblica do grupo paulista Teatro da Vertigem pela capital, no FIT de 2004. “Cada encenação é única. ‘O Paraíso Perdido’ apresentado na Igreja do Carmo é diferente de qualquer outra igreja. Em um grande espetáculo de espaço alternativo, a efemeridade está em sua essência maior”, fala ele, ressaltando que é, ao mesmo tempo, espectador e fotógrafo. “Só consigo fotografar um espetáculo porque estou assistindo, mesmo um ensaio”.

Encontro com nomes que já saíram de cena

Abrir o baú de memórias com 25 anos de fotografias das artes cênicas mineiras clicadas por Guto Muniz é marcar um encontro com nomes que já saíram de cena. Dentre os saudosos retratados por Muniz, como Wanda Fernandes (1954-1994), a primeira Julieta do Galpão, e o ator Zeca Santos (1955-2011), um nome tem lugar especial por ter despertado no então estudante de publicidade o desejo de fotografar palco.

Trata-se de Paulo Lisboa (1960-1996), que o hoje fotógrafo viu em cena na montagem de “Antígona” (1987), da Cia. Sonho e Drama. “Fiquei impressionado com a plasticidade e o trabalho de corpo do Paulão. O que me impulsionou muito foi esse trabalho dele. Tanto que depois comecei a seguir um pouco o Paulão em outros espetáculos”, afirma Guto, referindo-se às peças “Fim de Jogo” (1989), da Cia. Absurda e dirigida por Eid Ribeiro, e “Josefina, A Cantora” (1990), também da Cia. Sonho e Drama.

Com esta última, o nova-limense Lisboa rodou mundo, chegando a se estabelecer em Portugal, onde foi um dos fundadores do projeto Visões Úteis.

“Josefina tem o grande valor sentimental de ter sido um trabalho que o Paulão fez até morrer. Digo com segurança que recebeu mais de 20 prêmios internacionais, de Cuba à Bósnia. De lá, em época de guerra, ele me enviou um cartão-postal”, diz o encenador Carlos Rocha, 60, diretor da peça e também de “Antígona”.

Nos passos da dança mineira

Teatro, bonecos, circo. Das diferentes artes cênicas, a dança foi a última fronteira que Guto Muniz desbravou em seus 25 anos de trajetória como fotógrafo de cena.

“Eu me aproximei da dança aos poucos. Porque tinha pra mim uma imagem da fotografia de dança muito ligada ao balé clássico, focado na posição perfeita, muito diferente do meu estilo de fotografar, que admite um tremido, um desfocado, desde que capte a emoção do instante”, diz.

Mas foram justamente essas características que levaram-no a dar seus primeiros passos nessa arte, guiado pela Mimulus, companhia que leva para os palcos a linguagem da dança de salão e que é clicada por Muniz desde seu primeiro espetáculo, “Bagagem”, de 2000. “Sempre me incomodou, antes de trabalhar com o Guto, que normalmente nas sessões de fotos, os fotógrafos insistissem em buscar poses estáticas. Isso deixava as imagens artificiais, já que trabalhamos com movimento”, compara o coreógrafo Jomar Mesquita, 41, diretor da companhia.

Quatro anos mais tarde, Muniz tornou-se também fotógrafo oficial do Primeiro Ato, grupo que, confessa ele, já clicava como público. “Tive um prazer enorme quando reapresentaram ‘Beijo nos olhos... Na Alma... Na Carne’, que é de 1999, e pude fotografa. É um espetáculo que fazia parte da minha memória afetiva. Realizei um desejo”.

Muniz é responsável ainda pela cobertura de sucessivas edições do festival 1,2 na Dança e por registros da Cia. Será Quê?, Quik e Companhia de Dança Palácio das Artes.

Dentre as principais companhias de dança mineiras, só não registrou o Corpo. “Admiro o trabalho do Zé Luiz (Pederneiras), que tem uma perfeição muito típica dele. Mas tenho vontade de mostrar um outro tipo de imagem do grupo, só não sei se iriam gostar”.

Saiba mais sobre o projeto Foco In Cena

Acervo online O portal Foco in Cena (www.focoincena.com.br) entrou no ar com uma galeria de 4.600 fotografias de 400 espetáculos, entre montagens de Minas Gerais e de outros países, que se apresentaram na capital em festivais de teatro, dança, bonecos e circo ou em turnês nacionais

Multiplicação Os números irão dobrar até o fim do ano, abarcando todos os trabalhos clicados por Guto Muniz até o momento e selecionados de um arquivo com 10 mil negativos e 30 mil fotos digitais produzidos em seus 25 anos de carreira

Memória preservada “Guardo todos os trabalhos que faço. Aprendi que não se pode apagar fotos, um hábito meu que alguns colegas até questionam. Durante a catalogação, redescobri as imagens, que já não eram mais as mesmas, foram ressignificadas pela história”, afirma o fotógrafo

Muito mais que fotos Além das fotografias, também se encontram no portal textos, fichas técnicas e artísticas, vídeos e áudios de cenas, informações muitas vezes extraídas diretamente dos programas dos espetáculos, que Muniz também sempre fez questão de guardar

Respeitável público Visitantes do site também podem ajudar a contar a história das artes cênicas mineiras a partir das fotos, deixando comentários no portal (é preciso estar conectado ao Facebook)

Para ver de perto Parte do acervo pode ser vista também na exposição Foco in Cena, aberta ao público até novembro, no Memorial Minas Gerais Vale (praça da Liberdade, esquina com rua Gonçalves Dias; 3343-7317), com visitação aos domingos, das 10h às 16h; sábados, terças, quartas e sextas, das 10h às 18h, e quintas, das 10h às 22h. A entrada é gratuita.

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